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Ciclistas e a neuropatia do Ulnar

Andar de bicicleta está cada vez mais em voga, seja pela necessidade de fazer exercício físico ou pela crescente consciência ambiental e procura por meios de transporte alternativos e mais ecológicos. O aumento de construção de ciclovias em Portugal reflete esta tendência e tem, naturalmente, se traduzido num maior número de pessoas a circular em bicicletas nas grandes cidades.

Por isso consideramos útil abordar neste artigo uma das patologias mais frequentes decorrentes da prática de ciclismo, a neuropatia do ulnar ou também como é conhecida a “paralisia do ciclista”.

Fisiopatologia

Esta condição caracteriza-se pelo comprometimento do nervo ulnar, que ocorre maioritariamente em duas localizações: no cotovelo (túnel cubital) e no punho (canal de Guyon).

A postura do ciclista tem sido associada ao desenvolvimento da neuropatia ulnar; tipicamente de tronco dobrado para a frente e de cotovelos em flexão, as mãos sofrem bastante pressão devido ao peso que é colocado sobre elas. Em passeios longos ou intensos, a vibração aliada à pressão prolongada na eminência hipotenar pode irritar o nervo, já sujeito a forças de tração e compressão nos locais acima descritos. Além disso, a hiperextensão do punho pode agravar a tracção neural no canal de Guyon.

Sintomas

  • Geralmente são mistos, mas podem ser puramente motores ou sensitivos
  • Início gradual de dormência / formigueiro do 4º e 5º dedo (anelar e mínimo);  começa de forma intermitente e costuma piorar à noite, principalmente se o cotovelo estiver dobrado; à medida que a patologia progride, as dormências podem ocorrer com mais frequência e durante o dia
  • Poderá existir dor e alterações de sensibiliadde na região interna do antebraço
  • Fraqueza nos músculos intrínsecos da mão (inervados pelo n. ulnar)
  • Em casos mais graves, pode ocorrer “garra” dos dedos mínimo e anelar.

Diagnóstico e Prognóstico

É essencial uma anamnese e exame físico cuidadoso para confirmar o diagnóstico e descartar outras patologias. Os ciclistas podem ter lesões anteriores que contribuem para o comprometimento do nervo, tal como o síndrome do desfiladeiro torácico ou uma má consolidação de uma fractura da clavícula ou do gancho do hamato.

As manobras provocativas, classicamente o teste de percussão de Tinel, podem identificar locais de comprometimento do nervo. A avaliação da força muscular e sensibilidade ao longo da distribuição nervosa é importante no diagnóstico; em casos de neuropatia ulnar avançada, o exame físico pode revelar atrofia na eminência hipotenar e no volume do primeiro músculo interósseo dorsal, bem como “garra” dos dedos anelar e minimo; o sinal de Froment e o sinal de Wartenberg também podem estar presentes.

Os estudos de eletrodiagnóstico (condução nervosa e eletromiografia) juntamente com a história do paciente e exame clínico permitem determinar a abordagem a tomar e o prognóstico de recuperação. A neuropatia compressiva prolongada causará uma cascata biológica previsível de eventos:

  • Isquemia dinâmica: a compressão do nervo ulnar é resultado de diminuições transitórias na perfusão. Os sintomas são dependentes da posição e resolvem-se quando o fluxo sanguíneo para o nervo é restabelecido; geralmente os pacientes melhoram com intervenção conservadora. Os estudos eletrodiagnósticos provavelmente serão negativos, pois a velocidade de condução ainda não diminuiu nas fibras nervosas de condução mais rápida. Se os sintomas justificarem a descompressão cirúrgica, é provável que o paciente sinta um alívio quase imediato após a cirurgia.
  • À medida que o processo da doença progride, a isquemia prolongada causa desmielinização do nervo. A velocidade de condução encontra-se reduzida e os sintomas tornam-se mais pronunciados e menos intermitentes. O alívio após a cirurgia é esperado dentro de um período de 3-4 meses, conforme ocorra a remielinização.
  • A perda axonal é o resultado de uma compressão prolongada ou severa. Os sintomas são constantes e existem evidentes alterações sensitivas (discriminação de dois pontos) e motoras, com atrofia muscular. Os estudos de condução nervosa mostram uma diminuição na amplitude, o que reflete uma diminuição geral no número de fibras nervosas em funcionamento. A recuperação após a cirurgia é muito mais prolongada, pois o crescimento axonal ocorre a uma taxa de 1 mm por dia.

Tratamento

A estratégia de tratamento para aliviar os sintomas e prevenir a neuropatia progressiva depende da gravidade e cronicidade da disfunção nervosa.

Os pacientes com sintomas leves a moderados (sugestivo de isquemia dinâmica) e velocidade de condução nervosa motora > 40 m / s têm maior probabilidade de responder positivamente ao tratamento conservador. Na maioria destes casos a situação resolve-se após repouso selectivo, um programa de fisioterapia que inclua exercícios de mobilização neural, e a implementação de medidas preventivas, tais como:

  • adaptação da bicicleta – optimização do posicionamento do selim e guiador
  • alternar a posição das mãos enquanto anda de bicicleta
  • evitar a excessiva transferência de peso para as mãos (< 1/3 do peso corporal no guiador)
  • evitar a hiperextensão do punho
  • uso de luvas almofadadas
  • colocar um forro no guiador para absorver choques e vibrações
  • evitar flexão do cotovelo durante o sono (posicionar em extensão)
  • em casos que se justifique, uma tala de punho neutro para diminuir o estiramento do nervo ulnar no canal de Guyon

Se os sintomas persistirem após os 6 meses de tratamento conservador poderá ser recomendada a cirurgia.

Pacientes com perda axonal significativa (conforme refletido por amplitudes diminuídas em estudos de condução nervosa) provavelmente não responderão positivamente ao tratamento conservador e são considerados candidatos a cirurgia.

Referências Bibliográficas:

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